7 de julho de 2019

Raparigas Como Nós || Helena Magalhães


Todos temos coisas extraordinárias.

E, talvez, extraordinário seja o que melhor define este Raparigas como Nós, da autora portuguesa Helena Magalhães. Tanto que tenho a dissertar sobre este livro que nem sei bem por onde começar.

A crítica e a própria autora integram este livro na categoria dos YA (Young Adult, ou "jovem adulto"). Eu não concordo, pois este livro é muito mais do que um YA tonto e vazio. Este Raparigas como Nós tem uma estrutura narrativa superior, complexa, bem oleada e intrincada, abordando assuntos importantes que, atrevo-me mesmo a dizer, são transversais a várias gerações. E está muitíssimo bem escrito, de forma fluída sem deixar de ser rigorosa, leve sem deixar de ser séria, divertida sem ser vazia.

A história deste livro gira em torna da Isabel, do Simão e do Afonso. Não, não é um triângulo amoroso. É o percurso de uma rapariga (como nós) que se sente estranha num mundo onde são todos iguais, fotocópias uns dos outros, onde vale tudo para se ser integrado e ter personalidade própria é um acto de coragem. Mas a Isabel está-se nas tintas para o que os outros pensam e mantém-se fiel a si e à sua aparente estranheza. Assim como a Alice, a sua melhor amiga. [Um dos pontos fortes deste livro é, precisamente, este conceito de sororidade, do apoio entre mulheres, mesmo com aquelas que, à partida, parecem tão distantes de nós (como a Marisa da Isabel).]

À medida que acompanhamos o percurso da Isabel e dos seus amores e desamores, vamos entrando naquele que é, para mim, o tema central deste livro: as drogas. O abuso de drogas por parte dos adolescentes e jovens adultos. As drogas como forma de integração, fuga emocional ou desculpa. As consequências trágicas que isso acarreta a médio/longo prazo. E a dificuldade em dizer não e a coragem necessária para afirmar essa posição (como a Isabel). Helena Magalhães abordou este tema tão sensível de uma forma absolutamente magistral e assertiva. Porque não é fácil abordar este tema sem cair na mesmice daquilo que já foi dito. Acredito que é necessária empatia e uma sensibilidade especial para conseguir narrar acontecimentos da forma como estão descritos neste livro. Além disso, está tudo muito bem fundamentado, o que revela a pesquisa séria que a autora fez para abordar esta temática tão complexa. Só por isso, merece os meus parabéns.

Além de tudo isto, este livro fez-me viajar no tempo, até à minha adolescência onde, tal como a Isabel e a Alice, me sentia estranha e deslocada. Porque não bebia álcool. Porque usava eyeliner exagerado nos olhos e fitas estranhas na cabeça. Porque gostava de usar roupas hippies. Porque lia e escrevia poemas que ninguém entendia. Fazer essa viagem foi doce, bonito, mágico. Rever aquela adolescente tão cheia de dúvidas fez-me perceber que, afinal, é a diferença que nos define, é a estranheza que nos faz criar coisas bonitas. E que haverá sempre alguém a sentir o mesmo. Alguém estranho neste mundo cada vez mais igual. Outras raparigas assim. Raparigas como nós. 

Só me resta recomendar muito este livro. Não só às adolescentes e jovens adultas, mas também a todas (e todos) nós que já o fomos um dia e que, volta e meia, nos deparamos com os mesmo dilemas, embora sob uma perspectiva diferente. Não sejam preconceituosos (eu sei que existe ainda muito preconceito em relação a ler novos autores ou determinado género literário) e leiam este Raparigas como Nós. Leiam e ofereçam às vossas filhas e filhos, irmãs e irmãos, primas e primos.

E, por fim, obrigada à Helena por ter escrito este livro, por ser uma jovem autora portuguesa cheia de talento e potencial, uma contadora de histórias que, tenho a certeza, vai deixar a sua marca na literatura nacional.

A vida encarrega-se de nos levar para onde temos de ir.

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