4 de agosto de 2019

A Farmácia Literária | 2


Indicação Terapêutica - desânimo; frustração; culpa; falta de esperança; sensação de estar perdido no mundo, sem um rumo a seguir.


Livre, de Cheryl Strayed, é a minha sugestão para A Farmácia Literária de hoje. Já li este livro duas vezes e já vi o filme também duas vezes, em alturas da minha vida em que, precisamente, me sentia mais em baixo, perdida, cheia de culpas antigas e sem saber que direcção seguir. E acredito que voltarei a ele sempre que achar necessário ou sempre que sentir vontade de relembrar esta história inspiradora.

Este livro é baseado na própria jornada da autora Cheryl Strayed. Depois de perder a mãe, o casamento e a estabilidade profissional, sentindo-se completamente perdida no mundo, sozinha e sem rumo, Cheryl decide fazer o Pacific Crest Trail (um trilho selvagem que tem início no deserto de Mojave, na Califórnia, e termina no estado de Washington) - 1700 Km, durante três meses, sozinha e com uma mochila às costas. Uma aventura árdua e dolorosa, que servirá como uma espécie de catarse.

Ao longo do livro, acompanhamos a caminhada de Cheryl, as dificuldades que encontra, a sua dor, as suas lágrimas, os seus pés feridos, as suas costas doridas, a sua profunda tristeza, as suas frustrações, os seus arrependimentos, a culpa que vai, a cada quilómetro, exorcizando. É uma jornada de cura, de autoconhecimento e de auto-perdão. Uma mulher profundamente ferida que tenta reerguer-se a cada passada, que tenta reinventar-se e encontrar uma luz para a sua escuridão. Uma história de sobrevivência e redenção.

Assim, recomendo muito este livro a todas as pessoas, em especial àquelas que, neste momento e por qualquer motivo, estejam a atravessar um período mais difícil e doloroso, onde não haja luz nem esperança. A história da Cheryl, como a de tantas outras Cheryls por aí, é um exemplo de superação e a prova de que a esperança e a força acabam sempre por aparecer, devolvendo-nos a capacidade de voltar a acreditar num amanhã melhor.


Boas leituras!

31 de julho de 2019

Os Loucos da Rua Mazur || João Pinto Coelho


Os Loucos da Rua Mazur , de João Pinto Coelho, é o segundo livro que leio deste autor português. Gostei muito do Perguntem a Sarah Gross e fiquei muito curiosa para ler este também.

Este livro, baseado em factos verídicos, divide-se entre Paris de 2002 e a Polónia durante a segunda guerra mundial. Se, no início, fiquei um pouco de pé atrás, talvez com receio de ser mais um livro cheio de lugares-comuns, mais ou menos a partir da segunda metade rendi-me completamente. A história está muito bem construída, muito crua e com uma reviravolta que me surpreendeu.

No entanto, este é um livro duro. Numa altura em que proliferam livros sobre a segunda grande guerra, encontrar um livro assim, que põe a nu o que tantas vezes é esquecido, nem sempre é fácil. Refiro-me ao papel que os cristãos, neste caso polacos, tiveram na perseguição aos judeus. E neste livro podemos comprovar isso mesmo, a forma cruel, desumana e horrenda como cristãos perseguiram e torturaram judeus que eram, até então, seus vizinhos e conterrâneos, só porque sim, só porque continham neles uma raiva antiga, actuando em nome de um deus. As últimas 100 páginas deste livro são muito duras, muito difíceis.

Toda esta história me fez reflectir, uma vez mais, sobre a imensidão da crueldade humana, sobre o ódio que é alimentado e fomentado por religiões, sobre a sede de soberania e de superioridade que o ser humano tem dentro de si. Sempre que leio livros relacionados com a segunda guerra, pergunto-me como é possível ter havido tanto mal a proliferar. E sinto, por momentos, um grande medo de que tal atrocidade possa vir a repetir-se.

Sem dúvida que recomendo a leitura deste livro. Contudo, deixo o alerta de que é um livro duro, principalmente a partir da segunda metade. Ainda assim, vale a pena a sua leitura.

24 de julho de 2019

Lá, Onde o Vento Chora || Delia Owens



Este livro, que tem andado pelas mãos de vários leitores como eu. Um livro sobre a Natureza, a Mãe-Terra e todas as suas maravilhosas formas de vida. Um livro sobre abandono e solidão, sobre sobrevivência e resiliência e sobre como uma infância doída pode traçar todo o rumo de uma vida.

Kya, a miúda do pantanal, é abandonada pela família quando é ainda uma criança. Sozinha no meio na natureza, tem de sobreviver por si própria, engendrando as mais criativas formas de o fazer. À medida que os anos vão passando e Kya vai crescendo e amadurecendo, as marcas da sua solidão e do seu isolamento vão condicionando a sua vida e as suas relações com os outros. Porém, a sua habilidade natural e o seu conhecimento intrínseco sobre a vida do pantanal serão o seu escape e a sua janela para o mundo.

Lá, Onde o Vento Chora é um livro muito bonito, uma carta de amor à Natureza (não fosse Delia Owens naturalista de profissão). À medida que ia avançando, quase que conseguia ver e sentir as paisagens descritas e a ligação simples e umbilical de Kya com a Natureza.

É também um livro que nos faz reflectir sobre as consequências de uma vida solitária e em profundo isolamento, sobre a necessidade de sobreviver sem poder contar com um colo de aconchego ou um ombro amigo.

(A única parte que me desiludiu um pouco foi a parte do "romance", pois creio que a história de Kya era suficientemente boa para preencher todo o livro. Contudo consigo compreender o objectivo da autora.)

Assim sendo, recomendo a leitura deste livro, um bom livro para ler em dias mais calmos, nas férias. Um livro perfeito para os amantes da Natureza.

Muito obrigada à Porto Editora por me ter proporcionado mais esta leitura tão prazerosa.


A Casa das Tias || Cristina Almeida Serôdio



Decidi ler este A Casa das Tias, da autora portuguesa Cristina Almeida Serôdio, depois de a Ana Lopes, do blogue O Sabor dos Meus Livros, ter partilhado a sua opinião sobre o mesmo no seu canal de youtube. E como percebi que era um livro sobre família e memórias, decidi que queria lê-lo.

Este livro relata a história de uma família de nove irmãos, escrita por uma amiga da agora herdeira da casa de família. São tecidas memórias de outros tempos, reconstruídas as vidas dos irmãos que, outrora, viveram naquela casa, em especial as tias solteiras, Francisca e Teresinha, que permaneceram naquela casa até aos seus últimos dias.

Foi uma leitura agradável, serena, que me arrancou alguns sorrisos. No entanto, não me tocou de forma especial, não houve qualquer personagem ou momento que me tivesse emocionado ou despertado a minha reflexão.

Diria que é um livro ameno para nos acompanhar numa tarde de praia.


14 de julho de 2019

Farmácia Literária | 1


Indicação Terapêutica - Corações partidos; falta de esperança; desânimo; descrença.


O Amor nos Tempos de Cólera é um clássico da literatura. Escrito pelo Nobel Gabriel García Márquez (que eu tanto admiro), este livro é uma verdadeira obra-prima. A historia de amor de Florentino e Firmina (ou de Florentino por Firmina), um amor que resiste à rejeição, à desilusão e ao passar vagaroso dos anos - 53 anos, 4 meses e 11 dias. Um amor não correspondido (ou não assumido) à partida, que se torna numa espécie de causa nobre pela qual Florentino espera, paciente, resistente, resiliente e confiante de que, mais dia, menos dia, a sua espera terá o doce fim que tanto anseia.

Mas desenganem-se se pensam que esta é só uma história de amor. É muito mais do que isso. É um emaranhado de emoções, com aquele sentido de humor surrealista tão característico de García Márquez. Um livro que me emocionou, que me fez rir, que me fez reflectir e repensar o meu olhar sobre certos assuntos.

Por tudo isto, recomendo-o a todas as pessoas que estejam com o coração partido (seja por questões de amor-paixão ou por outro motivo afectivo) ou com falta de esperança na sua jornada. Porque, por maior que seja a espera, ela poderá dar doces frutos. Florentino esperou toda uma vida pela sua Firmina. E, depois de lerem este livro, vão perceber o quão bonita foi essa espera.

8 de julho de 2019

Cai a Noite em Caracas || Karina Sainz Borgo


A minha obrigação era sobreviver.

Talvez esta seja a frase que melhor resume este Cai a Noite em Caracas, de Karina Sainz Borgo. Porque trata-se de uma história de sobrevivência. De luta. De resiliência. E de um recomeço diário.

Numa Caracas sob o fogo de um regime violento e austero, onde predomina a lei do mais forte, Adelaida, uma mulher sozinha no mundo, vê a sua vida virada do avesso e a sua única missão resume-se à luta pela sobrevivência. Para isso, terá de recolher as emoções e vestir uma armadura de ferro, quebrando valores e usurpando identidades, se não quiser acabar estendida num canto qualquer crivada de balas.

Fome, medo, violência, tortura, repressão, barbárie, desumanidade. Ao longo deste livro, foi tudo isto que fui observando, longe de conseguir sequer imaginar, neste meu canto confortável, o que será viver sob tais condições. Quando vivemos em paz e liberdade, é-nos duro tomar consciência desta realidade que nos é tão distante, que parece apenas a história de um livro mas que é, infelizmente, a história de muitos venezuelanos neste momento. Um autêntico murro no estômago que me deixou a reflectir durante algum tempo.

Mais uma vez, obrigada à Gosto de Ler por me ter proporcionado esta leitura. Para quem quiser ficar a conhecer um pouco melhor a dura realidade de um país sob repressão, aconselho a leitura deste livro. Fica, desde já, o aviso de que é uma leitura difícil, no entanto, necessária para nos tirar da nossa bolha de conforto e nos fazer perceber o quão desumano pode ser o mundo (e aqueles que nele têm sede de poder).

7 de julho de 2019

Raparigas Como Nós || Helena Magalhães


Todos temos coisas extraordinárias.

E, talvez, extraordinário seja o que melhor define este Raparigas como Nós, da autora portuguesa Helena Magalhães. Tanto que tenho a dissertar sobre este livro que nem sei bem por onde começar.

A crítica e a própria autora integram este livro na categoria dos YA (Young Adult, ou "jovem adulto"). Eu não concordo, pois este livro é muito mais do que um YA tonto e vazio. Este Raparigas como Nós tem uma estrutura narrativa superior, complexa, bem oleada e intrincada, abordando assuntos importantes que, atrevo-me mesmo a dizer, são transversais a várias gerações. E está muitíssimo bem escrito, de forma fluída sem deixar de ser rigorosa, leve sem deixar de ser séria, divertida sem ser vazia.

A história deste livro gira em torna da Isabel, do Simão e do Afonso. Não, não é um triângulo amoroso. É o percurso de uma rapariga (como nós) que se sente estranha num mundo onde são todos iguais, fotocópias uns dos outros, onde vale tudo para se ser integrado e ter personalidade própria é um acto de coragem. Mas a Isabel está-se nas tintas para o que os outros pensam e mantém-se fiel a si e à sua aparente estranheza. Assim como a Alice, a sua melhor amiga. [Um dos pontos fortes deste livro é, precisamente, este conceito de sororidade, do apoio entre mulheres, mesmo com aquelas que, à partida, parecem tão distantes de nós (como a Marisa da Isabel).]

À medida que acompanhamos o percurso da Isabel e dos seus amores e desamores, vamos entrando naquele que é, para mim, o tema central deste livro: as drogas. O abuso de drogas por parte dos adolescentes e jovens adultos. As drogas como forma de integração, fuga emocional ou desculpa. As consequências trágicas que isso acarreta a médio/longo prazo. E a dificuldade em dizer não e a coragem necessária para afirmar essa posição (como a Isabel). Helena Magalhães abordou este tema tão sensível de uma forma absolutamente magistral e assertiva. Porque não é fácil abordar este tema sem cair na mesmice daquilo que já foi dito. Acredito que é necessária empatia e uma sensibilidade especial para conseguir narrar acontecimentos da forma como estão descritos neste livro. Além disso, está tudo muito bem fundamentado, o que revela a pesquisa séria que a autora fez para abordar esta temática tão complexa. Só por isso, merece os meus parabéns.

Além de tudo isto, este livro fez-me viajar no tempo, até à minha adolescência onde, tal como a Isabel e a Alice, me sentia estranha e deslocada. Porque não bebia álcool. Porque usava eyeliner exagerado nos olhos e fitas estranhas na cabeça. Porque gostava de usar roupas hippies. Porque lia e escrevia poemas que ninguém entendia. Fazer essa viagem foi doce, bonito, mágico. Rever aquela adolescente tão cheia de dúvidas fez-me perceber que, afinal, é a diferença que nos define, é a estranheza que nos faz criar coisas bonitas. E que haverá sempre alguém a sentir o mesmo. Alguém estranho neste mundo cada vez mais igual. Outras raparigas assim. Raparigas como nós. 

Só me resta recomendar muito este livro. Não só às adolescentes e jovens adultas, mas também a todas (e todos) nós que já o fomos um dia e que, volta e meia, nos deparamos com os mesmo dilemas, embora sob uma perspectiva diferente. Não sejam preconceituosos (eu sei que existe ainda muito preconceito em relação a ler novos autores ou determinado género literário) e leiam este Raparigas como Nós. Leiam e ofereçam às vossas filhas e filhos, irmãs e irmãos, primas e primos.

E, por fim, obrigada à Helena por ter escrito este livro, por ser uma jovem autora portuguesa cheia de talento e potencial, uma contadora de histórias que, tenho a certeza, vai deixar a sua marca na literatura nacional.

A vida encarrega-se de nos levar para onde temos de ir.